Menina com flores de cerejeira, conhecidas como sakura no Japão

A INFÂNCIA É COMO A FLOR DE CEREJEIRA: Um lembrete para apreciar a beleza dos marcos de uma criança

Ontem, minha filha de um ano de idade espetou um morango com um garfo. De modo triunfante, seus dedos gordinhos ergueram a fruta espetada como se fosse a tocha da Estátua da Liberdade, seus olhos arregalados de orgulho, enquanto os meus se encheram de lágrimas. Outra "primeira vez" chegara e se fora.

Empunhar talheres é um marco simples que não deveria causar um colapso emocional. Não foi a primeira vez que ela andou ou que ela falou, embora esses momentos também tenham passado. Mesmo assim, foi doloroso. Ultimamente, ela tem sido um trem desgovernado de realizações, dominando habilidades básicas da vida em um ritmo alarmante.

De certa forma, suas habilidades crescentes me tranquilizam. Elas denotam que ela é uma criança saudável e em desenvolvimento, mas também são um forte lembrete do inevitável. Cada marco, por menor que seja, será o primeiro e o último. 

Meu marido e eu tomamos a decisão deliberada de parar em um único filho. Pesamos os prós e os contras e, por fim, concluímos que nossa filha — nosso mundo — completa nossa pequena família. Fiquei em paz com essa escolha, até mesmo a apreciei, mas, recentemente, uma semente de dúvida foi plantada. Será que eu estava pronta para deixar de vivenciar essas milagrosas "primeiras vezes"? 

Para alguns, um segundo filho é a peça que faltava no quebra-cabeça. Ou talvez três, ou quatro. Isso é totalmente válido. A família perfeita não tem um tamanho único para todos. Contudo, para nós, outro filho não era a solução. Se Deus assim permitisse, eles seguiriam uma trajetória de desenvolvimento semelhante e, então, deixariam o mesmo espaço vazio que eu esperava preencher. 

Tendo em vista que qualquer decisão que eu tomasse seria equivocada, conformei-me com o mal-estar. Até mesmo as boas decisões têm repercussões. Eu simplesmente teria que lidar com isso. Até uma tarde, quando uma nova perspectiva surgiu na forma de uma flor.

Sakura


Menina com flores de cerejeira, conhecidas como sakura no Japão

Sakura, ou flores de cerejeira, são muito importantes na cultura japonesa. Elas florescem por alguns poucos dias na primavera e são celebradas com festas de exibição, chamadas hanami. Eu estava raspando queijo seco em uma cadeira alta quando a imagem delas apareceu na tela da minha televisão.

A lente grande angular proporcionou uma visão de tirar o fôlego; milhares de galhos de árvores serpenteantes recobertos de cor-de-rosa, espalhando-se pela paisagem até beijar o horizonte. Um olhar mais atento, porém, revelou o motivo do alvoroço. Flores de cinco pétalas estavam presas aos delicados galhos como minirramalhetes, dispostos de forma primorosa como só a Mãe Terra pode fazer.

"O povo japonês admira a beleza transitória da natureza e reflete sobre a brevidade da vida", explicou o jornalista, indicando os grupos reunidos sob fileiras de intermináveis dosséis de flores.

Suas palavras me causaram um aperto no peito. Elas foram, a um só tempo, desoladoras e eloquentes. Que concepção! A cultura americana rejeita a passagem do tempo (especialmente as ameaças à juventude e à vitalidade), e, no entanto, hanami estava prestigiando o auge da beleza e aceitando seu fim iminente. Noções opostas que, quer gostemos ou não, vêm em um pacote só.

O jornalista continuou com os fatos históricos, mas as pessoas roubaram minha atenção. Debaixo da maior árvore estava uma família. Um bebê estava se contorcendo no côncavo do regaço de sua mãe, enquanto ela preparava um lanche para mantê-lo satisfeito. Sua irmã, uma menina de cerca de cinco anos, ocupava o pai com uma pilha de livros.

O mais interessante, porém, era uma senhora idosa, talvez a avó, que observava serenamente a beleza que pairava sobre sua cabeça. Sua expressão tinha uma peculiaridade que reconheci. Alegre, mas aflita. Em seu rosto, vi o meu próprio.

Beleza e efemeridade


Naquele exato momento, algo fez sentido. "Estou observando o desabrochar", pensei, refletindo sobre minha filha. Sempre que ela falava uma palavra nova, aprendia uma tarefa ou escapava furtivamente de seu cercadinho, eu compartilhava a expressão da senhora idosa. A inquietação persistente que acompanhava as fugazes “primeiras vezes” não era para ser deixada de lado, como eu pensei certa vez.

Ah, se neste mundo não existissem flores de cerejeira, talvez então, na primavera, nossos corações estivessem em paz!

Ariwara no Narihira

Isso serviu a um propósito. Era uma necessidade. Um lembrete da efemeridade de uma estação e, também, para apreciar os meandros da beleza diante de mim. Assim como os brotos florescentes da cerejeira, sua infância é um sopro de encantamento destinado a desaparecer em um piscar de olhos. 

Todos os pais, sejam eles de um ou de dez filhos, podem compreender quando digo que a infância é como uma flor de cerejeira, repleta de magia, mas demasiadamente curta. Mesmo que a comemoração volte a acontecer, assim como cada criança, a beleza é matizada. Única para aquela estação.

Entretanto, quando a criança é sua única filha, não consigo deixar de pensar naquela avó e na gravidade de seu olhar. Afinal, o que ela e eu entendemos é que, independentemente das distrações, não devemos desviar nossa atenção, pois não há garantia alguma de que outra primavera virá. 

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imagem: Pixabay