Angry African-American boy's face

A HISTÓRIA DE BILLY: Conhecendo e curando uma família problemática por meio d'O Centro Familiar

Billy estava no telhado de sua escola, ameaçando pular. A polícia e os bombeiros chegaram, escadas foram erguidas, e uma rede foi armada. As crianças na rua estavam rindo, provocando-o, incentivando-o, admirando-o. Queriam vê-lo pular. Elas queriam vê-lo pular. Algumas estavam assustadas, algumas em prantos, outras possivelmente com inveja. Esse não era um dia normal de escola.

Após o incidente, a escola o encaminhou a um terapeuta em um hospital local para terapia individual. O terapeuta não sabia muito sobre Billy quando eles começaram. Billy era afro-americano, tinha 13 anos de idade, não era muito bom na escola e, como a maioria de seus amigos, era meio folgado. Ele gostava de usar calças largas e camisas compridas e coloridas, e cortava o cabelo curto, no popular estilo “flat-top”.

Ele podia ser turbulento, mas, recentemente, ficou taciturno e distraído, sentado em sua mesa e olhando para o espaço. Ele também estava tendo acessos de raiva, arrumando brigas, e xingando os amigos e até mesmo os professores. O terapeuta chegou ao diagnóstico de que ele sofria de transtorno bipolar.

Billy relutava em ir às sessões de terapia e, quando ia, não parecia estar se beneficiando delas. O terapeuta disse que ele não se mostrava aberto ou disposto a falar sobre sua família ou sobre como estava se sentindo. A terapia parecia não estar indo a lugar algum.

Aconteceu que, na época, a irmã de 10 anos de Billy, Isa, estava em um de nossos grupos de terapia para meninas n'O Centro Familiar. A mãe deles, Vicky, sugeriu que talvez o Billy pudesse se consultar com um terapeuta nosso. Isa disse a ele que era um bom lugar. O terapeuta do hospital concordou em fazer uma tentativa.

Foi marcada uma consulta para Billy com Crystal, uma terapeuta d'O Family Center, que pediu que toda a família viesse para uma sessão inicial antes de qualquer outra coisa. Como a Isa já estava em um de nossos grupos e a Vicky estava envolvida de forma periférica no grupo da filha, ver a família inteira primeiro fez sentido para todos.

Então, Vicky levou seus quatro filhos — Billy, Isa, Latasha, de 8 anos, e a bebê Tonya — a'O Centro Familiar para se consultar com Crystal e a líder do grupo de meninas de Isa, Daphne.

Tornando-se escultores


Crystal começou a sessão pedindo a todos da família que se revezassem para pintar um quadro de como viam sua família. Ela explicou que, em vez de usar papel e lápis, todos concordariam em ser um pedaço de argila que poderia ser moldado por um “escultor”. Cada membro da família teria sua vez de ser o escultor que usaria os outros membros da família como matéria-prima para criar o quadro.

Crystal explicou que havia três regras para fazer essa escultura: a distância vertical — quem era mais alto que quem — mostraria poder; a distância horizontal — quem estava mais próximo de quem — mostraria proximidade emocional; e as expressões faciais e os gestos com braços e pernas e todo o corpo demonstrariam o tipo de emoção sentida.

O “escultor” poderia organizar os outros membros da família da maneira que quisesse. Dessa forma, todos poderiam ver como cada um deles enxergava a família sob a perspectiva de quem era o mais e o menos poderoso, quem era próximo de quem e quem era mais distante, e qual era a qualidade emocional de cada relacionamento.

A família ficou intrigada com esse novo jogo e estava disposta a participar. Billy concordou em ir primeiro.

Crystal pediu a Billy que colocasse os membros de sua família uns em relação aos outros de acordo com essas regras, na maneira que melhor expressasse como ele entendia e via sua família, e, por fim, que também se colocasse no quadro. Ela também lhe deu um boneco em tamanho real que ele poderia usar para representar qualquer pessoa de fora da família que ele considerasse importante para o quadro.

Billy começou com sua mãe, decidindo construir a escultura em torno dela. Ele a colocou sentada em uma cadeira. Colocou a bebê Tonya ao lado dela, do lado direito. Pediu à mãe que sorrisse como um gesto de amor para com a bebê. Ele colocou Latasha a uma certa distância atrás de sua mãe e à sua esquerda. Perguntado qual era a expressão ou o gesto dela, ele disse que ela estava olhando para longe da família. Ele também colocou Isa à esquerda, mas perto de Vicky, com apenas um pequeno espaço entre elas. A expressão dela era de tristeza, com sua cabeça voltada para baixo.

Crystal perguntou a Billy se todos eles tinham o mesmo poder na família, já que estavam todos posicionados mais ou menos na mesma altura. Billy pensou cuidadosamente e pediu que sua mãe ficasse de pé. Depois, mudou de ideia e a fez sentar-se novamente. Ele colocou Latasha de joelhos no chão, mais baixa que Vicky. Ele também fez com que Isa se sentasse no chão, ainda com uma expressão triste e resignada. Ele a fez cruzar os braços na frente dela.

Quando Crystal pediu que ele se colocasse no quadro, Billy se colocou mais próximo de suas irmãs, mas a uma longa distância e em pé. Sua expressão era de raiva.

Outra “pessoa” aparece


Menino afro-americano irritado apontando o dedo

Quando Crystal o incentivou a demonstrar mais daquela raiva, Billy ergueu os punhos em uma espécie de gesto de desamparo. Então, Crystal lhe perguntou se alguém estava faltando. Ele se levantou, arrastou uma cadeira até a mãe e, em seguida, pegou o boneco em tamanho real e o colocou na cadeira que estava entre a mãe e Isa, de modo que o boneco ficasse pairando sobre as duas. Ele disse que esse era o namorado de sua mãe.

Ele deu um salto para a frente, agarrou o boneco, jogou-o no chão e começou a bater nele, gritando com sons quase animalescos.

Ele estava claramente agitado a essa altura, então Crystal se desviou de seu plano original e fez a pergunta que estava guardando para depois de ver o quadro de todos. Ela esperou que Billy se posicionasse atrás de suas irmãs e perguntou: “Billy, agora você pode nos mostrar um quadro de como você gostaria que sua família fosse?”

Ele deu um salto para a frente, agarrou o boneco, jogou-o no chão e começou a bater nele, gritando com sons quase animalescos.

Depois disso, os outros membros da família, que estavam claramente abalados pela performance de Billy, fizeram esculturas familiares inócuas e calcificadas. Havia muito pouca distinção entre suas representações da dinâmica familiar existente e aquilo que era desejado. Eles escondiam algo e estavam temerosos — congelados pela revelação de Billy quanto a um segredo familiar subentendido. Isa parecia particularmente assustada e chateada.

Ao ver a resposta de Isa, Crystal disse à família que ela, Vicky, Isa e Daphne se encontrariam no dia seguinte e, depois disso, toda a família teria uma sessão à tarde.

Uma revelação dramática


No dia seguinte, Isa estava com medo de falar, mas Daphne e Crystal a ajudaram lentamente a contar sua história. Descobriu-se que ela estava sendo abusada sexualmente pelo namorado de Vicky. Isa estava aterrorizada em relação ao namorado, que havia ameaçado matá-la se ela contasse a alguém, e com medo de que sua mãe não acreditasse nela e ficasse com raiva dela por contar sua história.

As duas terapeutas prometeram proteger Isa do namorado. Disseram a ela que relatariam o incidente ao Departamento de Serviços Sociais (DSS), que provavelmente mandaria prender o homem. Em seguida, elas a ajudaram a ter uma conversa com sua mãe.

Vicky estava com raiva de Isa. Ela não queria acreditar nela e disse a todos na sala que não era verdade. As juntas dos dedos de Isa estavam cravadas em uma almofada no sofá. Com lágrimas escorrendo pelo rosto, ela desviou o olhar.

Crystal disse a Vicky: “Olhe para sua filha. Acha que ela está inventando isso?”

Vicky relanceou o olhar para Isa e olhou para o lado novamente.

“Não”, disse Crystal, “OLHE para sua filha. O que você está vendo? Você vê uma pessoa mentindo? Ou você vê uma pessoa sofrendo e assustada e que não está sendo cuidada pela mãe?”

“Bem”, disse Vicky com mansidão, “eu não sabia”.

Crystal foi se sentar ao lado de Vicky como um gesto de conforto, dizendo: “Estou ao seu lado”, mas ela não a deixou escapar. Ela a estava desafiando de perto. Isa saiu do sofá e correu até Daphne, que a abraçou e a pegou no colo.

Obrigações legais


Edifício retangular marrom de serviços sociais

Como uma clínica de terapia familiar, precisávamos tomar várias medidas imediatamente. Primeiro, éramos obrigados por lei a relatar esse incidente ao DSS.

Havia duas maneiras de fazer isso. Nós mesmos poderíamos registrar o incidente, o que teria de ser feito dentro de 24 horas e implicaria o maior risco de a família ser separada. Ou então, poderíamos relatar “parcialmente” o incidente e pedir cinco dias adicionais durante os quais Vicky poderia ela mesma registrar o incidente e contar toda a história.

Preferimos fazer isso dessa forma porque evitaria nos colocar contra ela, ao mesmo tempo em que a incentivaria a ser uma mãe forte e protetora para com seus filhos.

Um grande medo para muitas crianças como Billy e seus irmãos que vivem nos conjuntos habitacionais é que, quando algo assim acontece — uma criança sendo abusada —, ela é retirada da família e levada para um lar adotivo por segurança. Essa é uma possibilidade temida por muitas dessas crianças, mesmo que estejam em uma situação difícil em casa.

Os funcionários de segurança do Departamento de Serviços Sociais que retiram uma criança de casa para evitar uma nova agressão geralmente subestimam o trauma emocional causado por separar a criança de sua família. Separações desse tipo adicionam enorme prejuízo e dor ao abuso que a criança já está sofrendo.

Discutimos isso antecipadamente com Vicky e dissemos que esperávamos que ela mesma ligasse para o DSS para relatar o que havia acontecido. Se a ligação viesse de uma mãe preocupada tentando proteger seus filhos, seria mais provável que ela tivesse permissão para manter todos os filhos em casa. Depois de mais ou menos um dia, ela concordou em relatar o incidente pessoalmente.

A segunda necessidade após nossa sessão com Vicky e Isa era tirar permanentemente o namorado de casa e garantir que ele não decidisse voltar no meio da noite. A polícia emitiu uma medida protetiva e garantiu a Vicky que estava levando o caso a sério.

Voltando às necessidades emocionais de Billy


Depois disso, voltamos a focar na reunião de toda a família para tratar dos sentimentos e do comportamento do Billy, além de assegurar à família que eles não seriam separados como medida de segurança pelo DSS. Tínhamos medo de que Billy não aparecesse, mas ele apareceu. Em silêncio, ele foi tratado como uma espécie de herói. Ele havia mostrado a todos nós, sua família e as terapeutas, o que realmente estava acontecendo em sua família.

Crystal lhe perguntou se ele achava que guardar essas informações dentro de si tinha alguma relação com o que havia acontecido na escola. Billy assentiu com a cabeça. Há quanto tempo ele sabia o que estava acontecendo entre Isa e o namorado?

Ele ficou calado por um longo tempo antes de finalmente falar. Ele disse que tinha descoberto havia pouco tempo, e por acaso. Ele tinha visto o namorado e Isa juntos. Ele não queria falar sobre isso e começou a andar de um lado para o outro na sala. Será que ele se sentia aliviado?

“Sim”, ele disse. Depois, “Não”, ele ficou com medo. Crystal explicou a ele tudo o que aconteceria em seguida. A polícia manteria o namorado afastado, e a família de Billy resolveria o problema juntos.

Com a crise identificada e as necessidades imediatas atendidas, pudemos começar a nos reunir com a família para ajudá-la a fortalecer seus laços familiares e para tentar melhorar seu bem-estar.

As crianças ficaram muito aliviadas. Não ficamos imediatamente preocupados com Billy, embora ainda tivéssemos planos de voltar a falar com ele e saber por que ele estava no telhado. Aquela tinha sido uma maneira bastante extrema de fazer uma declaração ou um pedido de ajuda. Achamos que provavelmente havia algo a mais.

Nas sessões que se seguiram, a história de Billy veio à tona de uma forma que não havia acontecido com seu primeiro terapeuta. Billy era um garoto vulnerável, querendo encontrar um lugar seguro, com uma família em que pudesse confiar, o que não estava encontrando em casa. Como resultado, ele era a presa ideal para as gangues de jovens que estavam rondando seu bairro.

Ele foi abordado por alguns garotos um pouco mais velhos que o convidaram a se juntar a eles. Eles eram bem conhecidos na vizinhança por serem problemáticos. Billy queria pertencer a alguma coisa, mas não queria realmente entrar para uma gangue. Ele só queria um bom amigo cuja família pudesse lhe acolher em casa. No entanto, os garotos mais velhos eram persistentes e ele se sentiu encurralado, dividido entre sua família, que não lhe permitia contar a verdade e proteger sua irmã, e a gangue, que era tentadora e intimidadora.

Um dia, as coisas finalmente chegaram a um ponto crítico. Um garoto da gangue lhe disse que ou ele estava com eles ou contra eles. Ele teria de decidir naquele dia. A resposta de Billy foi subir no telhado e ameaçar pular.

Entendendo os “sintomas”


Várias pessoas de diferentes etnias de mãos dadas

Como podemos ver nessa história, os “sintomas” têm significados diferentes conforme o foco da pessoa. Sintomas são sinais de angústia e, nesse caso, o sintoma surpreendente e que chamou a atenção foi Billy ameaçando pular do telhado.

Mas isso era um sintoma de quê? De um transtorno bipolar? Um sinal para o mundo de que sua família estava com problemas e precisava de ajuda? Um pedido de ajuda em uma comunidade onde ele estava dividido entre duas escolhas ruins?

A maneira como entendemos o significado do sintoma determinará a linha de intervenção a ser adotada. E a maneira como vemos o sintoma dependerá de onde escolhemos olhar. Não se trata necessariamente de uma situação “ou … ou”, mas se uma abordagem é enfatizada e a outra é negligenciada — o que geralmente acontece nas profissões de assistência; podemos esbarrar em um obstáculo ou deixar passar algo terrivelmente errado que precisa de atenção.

Billy era o “paciente identificado”, o que significa que ele era aquele que apresentava os sintomas, mas não necessariamente o que precisava de mais ajuda.

Billy e sua família estavam entre os primeiros clientes d'O Centro Familiar, vindo até nós na época em que estávamos começando a desenvolver o primeiro grupo exploratório da Jornada Parental, que estabeleceu a base para os programas posteriores da Jornada Parental.

Na primeira reunião familiar com Billy e sua família, ninguém pensou que os verdadeiros “pacientes”, para usar um termo médico, seriam Isa e sua mãe. Nesse tipo de situação, os terapeutas familiares diriam que Billy era o “paciente identificado”, o que significa que ele era o que apresentava os sintomas, mas não necessariamente o que precisava de mais ajuda. De fato, muitas vezes é o membro mais forte da família que aciona o sinal de alerta.

Nesse caso, depois de nos reunirmos com toda a família, ficou óbvio, de imediato, que não era Billy que precisava de atenção individual, desde que sua situação familiar fosse tratada. Continuamos a trabalhar com a família até a resolução das questões levantadas na sessão esclarecedora com Vicky e Isa, e, em parte, porque Vicky decidiu ligar para o DSS para denunciar o abuso de sua filha, o DSS acabou decidindo manter a família unida.

À medida que a situação foi sendo tratada, Billy recuperou o entusiasmo e o jeito brincalhão de antes, e Isa começou a trilhar o longo caminho de viver como uma sobrevivente, agora com o apoio e a compreensão de sua família.

Vicky acabou se tornando membro de nosso primeiro grupo de Jornada Parental, no qual pôde obter o tipo de apoio de que precisava para aceitar e lidar com os imensos desafios que enfrentava em sua vida, incluindo seus próprios interesses pessoais e os de seus filhos.

Anne Peretz, MSW, LICSW, is a family therapist and co-founder of the Parenting Journey (formerly known as The Family Center). Her
new book Opening Up: The Parenting Journey is available now through Radius Book Group.

Excerpted from Opening Up: The Parenting Journey. Copyright ©2021 Anne Peretz. Published with permission from Radius Book Group — https://www.radiusbookgroup.com/

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